A imprensa anunciou nos últimos dias a criação do que foi chamado de “superfarmacêuticas” nacionais, duas empresas de produção de medicamentos biológicos formadas cada uma por quatro farmacêuticas nacionais.
Na verdade, não estão sendo criadas superfarmacêuticas, como foi o pensamento do governo com as tentativas de fusão entre as farmas brasileiras em algum momento anos atrás. Os “superlaboratórios” são hoje, na prática, empresas nascentes, pré-operacionais, com um plano de produzir bioprodutos no Brasil. Grande é o porte das empresas acionistas destas startups, ou seja, os maiores laboratórios de capital nacional, mais o BNDES, caso este venha a fazer parte do quadro societário das novas empresas. Por discordarmos do uso dos superlativos nestes projetos e na ausência de uma razão social oficial, adotaremos neste documento o termo BIOFARMA para nos referirmos às iniciativas.
É louvável a estratégia de se produzir biológicos no Brasil. Os bioprodutos estão entre as principais tendências para o mercado farmacêutico nos próximos anos com taxas de crescimento superiores às do mercado total. Atualmente, cinco entre os dez medicamentos mais vendidos no mundo já são biológicos e as vendas de medicamentos produzidos por biotecnologia representam 31% das vendas dos top 100 medicamentos. Esta proporção deve subir para 48% em 2016, com oito produtos biológicos, dos quais seis anticorpos monoclonais, entre os dez mais vendidos.
É louvável também que seja o BNDES incentivador deste processo, já que se trata, sem dúvida, de preencher uma lacuna importante na cadeia produtiva do setor de saúde nacional, produzindo medicamentos que, em sua maioria, tem impacto relevante no déficit da balança comercial de saúde (US$ 11 bilhões/ano). Por este motivo, não nos parece sensato acreditar que, com estes investimentos, o banco cessa seu esforço de suprir a demanda por produtos inovadores de saúde para a sociedade brasileira. Pelo contrário, queremos acreditar que o BNDES abre as portas para investir e financiar fortemente o setor biotecnológico.
As BIOFARMAS não anunciaram ainda quais medicamentos irão compor seu portifólio, no entanto, é razoável presumir que o foco inicial será em produtos não-inovadores para o mercado público. O investimento em biológicos inovadores deverá ocorrer somente em um segundo momento.
As notícias podem colocar neste primeiro instante outros grupos interessados em produzir biológicos no Brasil em espera. Embora não acreditemos em reserva de mercado, competir com as BIOFARMAS com os mesmos produtos poderá ser tarefa árdua, especialmente quando se considera o enorme acesso aos mercados público e privado que já têm os grupos acionistas.
Assim, a posição de espera é natural. Com o passar do tempo, espera-se que surjam novidades em relação aos produtos e mercados e isso retome as negociações. Por outro lado, num cenário competitivo como o que se apresenta agora com os anúncios, acelerar planos de desenvolvimento de produtos pode ser a melhor estratégia para garantir mercados futuros.
Nesta questão é importante mencionar que qualquer que sejam os medicamentos produzidos pelas BIOFARMAS, será inviável no curto e médio prazo que estas duas empresas sejam capazes de atender a demanda de todos os medicamentos biológicos que necessitam ser produzidos no Brasil. Os biológicos incluem tecnologias, plataformas e infraestruturas muito diferentes, e esperar que uma planta atenda a todas elas é praticamente impossível. Dessa maneira, acreditamos que continuam em aberto as oportunidades de investimento em outros grupos e iniciativas de produção de biológicos no país.
Não esperamos também uma concentração de todos os esforços e iniciativas apenas nestas duas empresas, o que afetaria sobremaneira a comercialização de biológicos no país. Entendemos que cada uma das empresas acionistas das BIOFARMAS irá continuar tendo estratégias individuais de produzir, licenciar e comercializar produtos biológicos. Algumas delas, como a Cristália, já têm investimentos consideráveis em plantas de biológicos, esforço este que deverá ser mantido mesmo com a criação da nova empresa.
Desta forma, continuará havendo uma competição entre as empresas sócias das iniciativas em acessar tecnologias, moléculas em desenvolvimento e produtos finais no Brasil e no exterior. Trata-se de uma boa notícia para pequenas empresas nacionais de biotecnologia e para as estrangeiras com produtos inovadores que não terão apenas duas licenciadoras de tecnologia e dois canais de distribuição de produtos biológicos no país. Esta concentração, a nosso ver, não irá ocorrer.
Além do que foi citado, as iniciativas possibilitam criar massa crítica nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e produção de biológicos e favorecem outras empresas fornecedoras de serviços e produtos na cadeia biofarmacêutica. Esperamos também que as novas demandas possam contribuir para uma melhoria no ambiente regulatório, considerado pelas empresas do setor como o principal obstáculo para seu desenvolvimento.
Em suma, estamos otimistas quanto aos efeitos que a criação das BIOFARMAS possa ter no setor de biotecnologia. Há algum tempo, temos falado que o setor precisava de um fato novo e relevante para acelerar seu desenvolvimento no país. O anúncio pode ter este efeito.
Por Eduardo Emrich Soares, Diretor Presidente da Biominas Brasil