Por Gabriel Di Blasi – Di Blasi, Parente & Associados
O setor de agronegócio é um dos mais desenvolvidos no Brasil. Em que pese o tamanho do nosso território e os recursos naturais disponíveis para ajudar a proporcionar o seu desenvolvimento, alguns fatores contribuem para este crescimento, por exemplo, os recursos destinados à pesquisa e inovação, bem como a segurança jurídica conferida pela proteção da propriedade intelectual decorrentes da inovação.
Um dos setores do agronegócio nacional que mais se destaca é o de produção de celulose branqueada de eucalipto, que registrou um crescimento aproximadamente de 5 % em janeiro de 2014 comparada ao igual mês de 2013. No mesmo mês de 2014 foram produzidas cerca de 1,3 milhão de toneladas, cuja exportação foi de 960 mil toneladas aproximadamente.
Esse resultado é decorrente da qualidade e da produtividade das florestas de eucalipto nacionais. Os elevados níveis de produtividade e a qualidade dos clones de eucalipto são obtidos graças à tecnologia do melhoramento genético vegetal, cujas características anatômicas dos elementos fibrosos de suas polpas permitem que sejam previstas indicações das propriedades da celulose e, consequentemente, dos papéis, pois a sua qualidade é influenciada pelas características morfológicas das fibras da madeira que compõem estes clones. Ainda, não se podem ser esquecidas as inovações com relação às modificações em nível molecular, ou seja, o desenvolvimento de eucalipto geneticamente modificado, desenvolvidos de maneira que possam aumentar a produtividade e reduzir custos com áreas de plantio e insumos, uma nova fronteira do conhecimento, que agora começa a ser também vislumbrada para o Eucalipto.
Como se pode observar, a inovação do setor é altamente especializada e desenvolvida. Mas, para que isso possa ocorrer, torna-se necessário haver investimentos e um marco legal que possa garantir a segurança jurídica para tais recursos. Dependendo da inovação alcançada para eucalipto, basicamente, a forma de proteção poderá ser feita através do direito de patente, para o processo de obtenção de eucalipto transgênico e para matérias biotecnológicas que podem estar presentes em uma variedade vegetal, tais como construções gênicas, vetores e células contendo tais vetores, ou, ainda, através da proteção de cultivares, para a variedade vegetal em si, por exemplo, uma variedade de eucalipto geneticamente melhorada.
É importante salientar que para que uma matéria seja patenteável, a mesma deve satisfazer os requisitos de patenteabilidade, quais sejam novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Com relação à proteção os cultivares de eucalipto, em virtude de o Brasil ser membro de vários tratados internacionais de propriedade intelectual, entre eles o Acordo TRIPS, que permite a escolha da forma de proteção de variedades vegetais, o país optou pela proteção sui generis, adotando as linhas normativas das versões de 1978 e 1991 da Convenção da União Internacional para a Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV).
Com base nessa escolha, em 25 de abril de 1997, o governo brasileiro promulgou a primeira legislação que assegura os direitos dos obtentores de novas variedades vegetais, a Lei nº 9.456, regulamentada pelo Decreto nº 2.366, de 5 de novembro de 1997. Assim, o Brasil estabelece o marco legal através da lei de Proteção de Cultivares, que reconhece os direitos de melhoramento genético de variedades vegetais no Brasil.
Em linhas gerais, a proteção de um novo cultivar de eucalipto se efetua mediante a concessão de Certificado de Proteção de Cultivar – CPP – emitido pelo SNPC, cuja proteção recairá sobre o material de reprodução do mesmo ou de multiplicação vegetativa desse eucalipto inteiro. Esse direito assegura ao seu titular o direito de exclusividade à reprodução comercial no Brasil, evitando que terceiros explorem com fins comerciais e sem autorização, durante o prazo de proteção, o material de propagação do eucalipto.
O prazo de exclusividade para exploração do eucalipto protegido é de dezoito anos a partir da data da concessão do seu Certificado Provisório de Proteção. Após esse prazo, essa cultivar cairá em domínio público, para que terceiros possam explorá-la sem infringir direitos do obtentor. De acordo com a lei nº 9.456/97, comete infração de cultivar aquele que vende, oferece à venda, reproduz, importa, exporta, bem como embala ou armazena para esses fins, ou cede a qualquer título, material de propagação de cultivar protegida, sem autorização do titular.
A Lei nº 9.456/97 também criou, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), estabelecido em Brasília, o qual tem a competência para a proteção de cultivares no Brasil. A solicitação para proteção de um eucalipto no Brasil é realizada mediante o cumprimento de vários requisitos estabelecidos pela lei junto ao SNPC.
Basicamente, os requisitos que a cultivar precisa atender para estar apta à proteção são a distinguibilidade, homogeneidade e estabilidade, denominados Testes de DHE. Estes testes evidenciam as diferenças de qualquer espécie de eucalipto já existente na data do pedido de proteção, a uniformidade entre os eucaliptos dentro da mesma geração, e manutenção das características através de gerações sucessivas de eucaliptos.
O SNPC é quem define quais descritores serão utilizados para cada cultivar, os quais são posteriormente utilizados para atestar se uma cultivar é realmente nova e superior em relação às demais existentes.
Por outro lado, para verificação de uso indevido de um cultivar de eucalipto, ou seja, apuração de infração por uso indevido de cultivar de eucalipto protegido, o SNPC recomenda o uso dos marcadores moleculares, através do exame de DNA, que pode ser utilizado sem ressalva e sem a necessidade de realização de exame morfológico, tendo em vista que o marcador molecular tem um grau de confiança de 99,99999%. Além da precisão do método, reconhecido mundialmente, o tempo para a obtenção do resultado é outra variável extremamente importante – entre a coleta do material, normalmente folhas, até a obtenção do resultado e elaboração do laudo, o prazo não pode ser superior a poucas semanas.
Contudo, caso seja necessário a realização de testes utilizando os marcadores morfológicos para aferição de infração de cultivar de eucalipto – que é considerado um exame obrigatório a título de proteção, mas acessório no caso de verificação de violação ao direito do obtentor – é indicado verificar se o eucalipto em questão e as amostras coletadas possuem as mesmas características morfológicas essenciais que definem a referida cultivar. Em outras palavras, deve-se analisar as semelhanças entre os marcadores morfológicos do eucalipto registrados no SNPC e as amostras coletadas nos casos de infrações desse eucalipto protegido. Neste caso, a comparação entre marcadores morfológicos deve ser realizada exclusivamente com os marcadores em idade de comparação ou, em outras palavras, não há necessidade de aguardar todas as fases de desenvolvimento da planta – de mudas no viveiro até árvores adultas com 5 a 6 anos – pois obviamente o tempo é uma variável essencial na decisão sobre a violação.
Cumpre aqui esclarecer que é recomendável registrar todos os marcadores morfológicos e moleculares da nova cultivar de eucalipto no SNPC para a sua concessão. Assim, quando houver qualquer análise de violação da cultivar, a justiça obrigatoriamente deve-se utilizar dos dados depositados no SNPC para a sua comparação com as amostras coletadas.
Outro aspecto importante a ressaltar são os laboratórios com capacidade técnica de realizar exames de DNA em eucaliptos para aferição de infração . Esses laboratórios devem possuir experiência em bancos de dados de marcadores moleculares utilizados em análise genética forense, os quais são utilizados hoje por diversas instituições públicas e privadas no Brasil. Além disso, o perito do juízo deve ter conhecimento técnico e experiência capaz de interpretar os exames realizados pelos laboratórios e, consequentemente, elaborar o laudo pericial com base nesses exames.
Segundo o professor e coordenador do Centro de Análise Genômica do Departamento de Genética da Universidade do Estado de São Paulo, Dr. Celso Luís Marino, os marcadores morfológicos foram de grande valia para o desenvolvimento dos estudos e melhoramento genético. Contudo, diante da limitação de informações e da variação dos marcadores morfológicos devidos às condições climáticas, territoriais etc., os cientistas passaram a pesquisar marcadores uniformes, que poderiam ser utilizados em exames em qualquer parte do mundo sem tais limitações. Dessa forma, os marcadores moleculares foram revolucionários, pois sua credibilidade e segurança são tamanhas que são frequentemente usados em exames forenses, não só em seres humanos (testes de paternidade, por exemplo), quanto em vegetais, inclusive usado para o melhoramento de plantas, conforme recomendação do próprio SNPC.
Com relação às ações de infração de cultivares no Brasil, há pouquíssima jurisprudência a respeito do tema, já que o assunto ainda é desconhecido dos titulares dos direitos de cultivares e do próprio judiciário. As dificuldades de propor esse tipo de ação não são poucas, como o número reduzido de laboratórios e peritos capacitados tecnicamente para realizar exames morfológicos e moleculares nas amostras coletadas, bem como interpretação de tais resultados para elaboração do laudo pericial; a falta de prática do judiciário sobre o tema; a dificuldade de adentrar nos locais de plantio dos potenciais infratores, com objetivo de provar a violação de cultivar; e a questão de quantificar os danos moral e material para uma possível indenização. Todos esses fatores devem ser considerados para buscar a melhor estratégia processual para propositura da medida judicial mais adequada.
Recentemente, a Fibria Celulose, maior produtora de celulose do mundo, moveu uma ação cautelar de produção antecipada de provas contra a Eldorado Brasil Celulose, por suspeita de uso indevido do cultivar de eucalipto VT02, de titularidade da Fibria, o qual foi protegido e conferido o respectivo Certificado de Proteção de Cultivar pelo SNPC. Essa ação judicial tramita na 4º Vara Cível da Comarca de Três Lagoas/MS. Neste momento, o laudo da pericia que inclui o exame de DNA, já foi anexado aos autos confirmando que das seis fazendas com suspeita de uso indevido de cultivar protegida, em cinco delas as amostras são 99,99999981% geneticamente idênticas à cultivar VT02 da Fibria. Contudo, a Eldorado recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul questionando a conclusão do laudo apresentado. Com base nisso, aguarda-se o desfecho em relação à confirmação ou não de a Eldorado ter reproduzido e usado indevidamente o clone VT02 em suas fazendas. Essa ação já é considerada um leading case no Brasil para discussão de uso indevido de cultivares.
Gabriel Di Blasi é engenheiro, advogado e sócio do escritório Di Blasi, Parente & Associados. Sua prática abrange questões nacionais e internacionais, incluindo patentes, desenhos industriais, segredos empresariais, cultivares, contratos de licenciamento e de franquias, gerenciamento de tecnologia e de inovação tecnológica, marcas e direitos autorais.