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Biohacking: a prática que você precisa entender

Em 1995, Hollywood produzia um clássico cult e de “Sessão da tarde”: Hackers. Nele, a atriz Angelina Jolie, ainda novata, interpretava uma jovem inteligentíssima, que lutava contra governos e corporações usando o computador e a internet, sempre citando o Manifesto Hacker, escrito por um dos primeiros a se intitular com o termo, em 1986. Naquela época, a rede de computadores aqui no Brasil ainda engatinhava e a aventura pelos bits e websites era quase tão fantasiosa quanto os filmes de ficção conseguem ser. No mesmo ano do lançamento do filme, porém, Kevin Mitnick seria preso e condenado por invadir dezenas de redes particulares de computadores, ganhando acesso a informações confidenciais e protegidas. Rapidamente, a palavra “Hacker” passaria a aparecer sempre na mídia ligada a ações fora da lei por fenômenos intelectuais, geralmente de bem pouca idade, quebrando sistemas de segurança digital de governos e grandes empresas. Demorariam anos para, mais tarde, em 2012, Mark Zuckerberg publicar uma carta, na ocasião da abertura de capital do Facebook, intitulada “The Hacker Way”. Nela explicou o que ele considerava um Hacker, desmistificando a conotação pejorativa do termo e classificando-o como uma atitude indispensável para a cultura da sua empresa.

Fala, Mark:

“O Hacker Way é uma abordagem de construção que envolve a melhoria contínua e iteração. Hackers acreditam que algo sempre pode ser melhor, e que nada está nunca completo. Eles só têm de ir corrigi-lo – muitas vezes, bem na cara de pessoas que dizem que é impossível ou estão satisfeitos com o status quo.”

E sobre quem acha que Hackers são criminosos, diz ai, Zuck:

“A palavra “hacker” ganhou uma conotação negativa por ser injustamente retratada na mídia como pessoas que invadem computadores. Na realidade, hackear apenas significa construir algo rapidamente ou testar os limites do que pode ser feito. Como a maioria das coisas, essa habilidade pode ser usada para o bem ou mal, mas a grande maioria dos hackers que eu conheci tendem a ser pessoas idealistas que querem ter um impacto positivo no mundo.”

Durante algum tempo, a cultura Hacker ficou restrita a tecnologia da informação, computadores e internet. Porém, recentemente, temos visto a expansão dessa comunidade por outros campos, dando origem ao nosso assunto de hoje: o Biohacking. Após algum tempo, inventores e curiosos estão adentrando o campo das ciências da vida, antes restrito a meios acadêmicos e gigantes biofarmacêuticas e do agronegócio. Mesclando uma atitude DIY (Do it yourself) com a cultura maker, muita curiosidade e vontade de inovar, além de rápida curva de aprendizado, os Biohackers estão transformando seus quartos e garagens em laboratórios nos quais experimentam com genética, bioengenharia, microbiologia e o que mais atiçar a imaginação. Para eles, vale a máxima pintada na parede do escritório do Facebook: Feito é melhor que perfeito.

Durante uma das edições do Biomaker Battle, , desafio científico idealizado pela Biominas Brasil de projetos e pesquisas em ciências da vida, conseguimos ver um perfeito exemplo de como podemos emular equipamentos caros e complexos com materiais baratos e acessíveis. Um microscópio possui uma lógica de funcionamento relativamente simples, datada de séculos atrás, mas mesmo assim um modelo com qualidade pode custar até alguns milhares de reais hoje. Retornando ao básico, com muita criatividade e consciência de qual a função primordial que o equipamento precisa desempenhar, presenciamos em minutos um dispositivo ser construído do zero, com recursos simples, a um custo bem inferior. Com alguns pedaços de isopor e uma webcam, a equipe do entusiasta biohacker Fernando Limoeiro hackeou um microscópio, que pode muito bem ser usado eficazmente na grande maioria das situações encontradas em laboratório, sem perda de função. E esse é apenas um dos vários hacks que Limoeiro e companhia fazem acontecer em seu clube de Biohacking!

Biomaker Battle

Fernando também participou com sua startup Open Hands da 2ª Rodada do BioStartup Lab. O propósito da startup é ousado: hackear um dos sentidos humanos, o tato. Para isso, a proposta envolve devolver sensações de vibração, variação de temperatura ou pressão para deficientes físicos ou pessoas que tiveram de ter membros amputados, tudo isso a baixo custo. O projeto quebra o paradigma do mercado de próteses atual ao deixar de lado a parte estética, mas devolvendo ao paciente uma parte de seus sentidos. Para isso, a startup projeta wearables adaptados a próteses simples, que interagem via sinais elétricos com o sistema nervoso do usuário. Uma solução tecnologicamente avançada e elegante, mas que tenta minimizar a deficiência, não com materiais avançados, bonitos ou caros que simulam ou melhoram a estética, mas sim eficazmente devolvendo um sentido, agregando muito mais valor às próteses mais baratas e mais utilizadas.

A 2ª rodada do BioStartup Lab também contou com outra startup que leva o biohacking como mote principal: a Chronos Personal Health. Ampliando o conceito de Biohacking, estão os Grinders, pessoas que acreditam que a tecnologia pode ser utilizada para ampliar limites do próprio corpo, usando próteses e implantes! Pode parecer radical, mas a Chronos quer usar este conceito para inovar no monitoramento do nível de glicose no sangue de pacientes de diabetes. Usando um implante que mede em tempo real a concentração de glicose no sangue, é possível realizar um controle mais fino das variações, diminuindo assim os perversos efeitos crônicos da doença. Os resultados do monitoramento são enviados diretamente para o smartphone do usuário, que registra as alterações bruscas e antecipa o tratamento, sem ter de esperar o aparecimento dos primeiros sintomas. A empreendedora atrás da startup, Natália Paixão, também liderou sua equipe na edição da competição iGEM, competição internacional de engenharia de sistemas biológicos organizada pelo Massachussets Institute of Technology (MIT). Torcemos por eles!

Biohacking

Pulverizar e democratizar o acesso a equipamentos e conhecimentos da área de ciências da vida com certeza traz diferentes formas de se pensar, inovar e empreender em biotecnologia. Garagens e quartos antes vazios também podem ser ambientes muito mais vibrantes e inovadores do que universidades e grandes empresas, com suas amarras burocráticas e vieses de confirmação. Se você está no momento pensando sobre como fazer com normas, regulações, aspectos éticos, biosegurança, sugiro assistir a excelente palestra TED de Ellen Jorgensen, líder de um espaço em Nova York chamado Genspace, um laboratório comunitário Biohacker, locais que estão aparecendo por todo o mundo. Especialmente sobre isso ela diz:

“O espírito destes laboratórios é de abertura, otimismo, mas, às vezes, quando as pessoas pensam em nós a primeira coisa que lhes vêm à mente é biossegurança, e todo o lado mais sombrio da coisa. Eu não tenho a intenção de minimizar estas preocupações. Toda tecnologia poderosa traz consigo o potencial para dupla utilização, e se nós considerarmos a biologia sintética, a nanobiotecnologia, somos mesmo levados a levar em consideração os grupos amadores, mas também os profissionais, porque eles têm mais infra-estrutura, melhores laboratórios, além de acesso a agentes patogênicos.

Então as Nações Unidas fizeram exatamente isso recentemente: publicaram um relatório nesta área, e o que concluíram foi que o potencial deste tipo de tecnologia para o bem é muito maior do que o seu risco negativo, e, inclusive, eles levaram em consideração as comunidades DYIbio (do-it-yourself biology) e notaram, não surpreendentemente, que a imprensa tem a tendência de superestimar nossas capacidades e subestimar nossa ética. Na verdade, indivíduos DIY do mundo todo, da América, da Europa, se reuniram no ano passado para criar um código de ética comum.”

Biohacking

Claramente, o biohacking tem muito ainda a crescer e quem sabe pode até vir a dividir o protagonismo com instituições maiores em muito breve! Aqui na América Latina, para saber mais sobre o assunto, existe a Syntechbio, organização de Biohacking e biologia sintética. Se no filme de 1995 Angelina Jolie brincava com o sistema elétrico de um prédio para fazer padrões com as luzes das janelas, estamos a poucos passos de brincar com o sistema genômico, mais ou menos com o mesmo objetivo!


Guilherme Marinho | Coordenador de Projeto de Biotecnologia SEDECTES – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia e Ensino Superior. 

Biólogo com MBA em Recursos Humanos e MSc em Biotecnologia. Acredita na inovação como ferramenta crucial para a melhoria sustentável e harmoniosa da qualidade de vida. Faz o possível e o impossível para aumentar o impacto de uma biotecnologia. Longe do escritório ou do laboratório, está sempre na fila da frente de um bom show ou roendo as unhas em jogos do Atlético.

guilherme.silva@tecnologia.mg.gov.br

 

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