Este texto foi retirado e traduzido da 6ª edição da Revista Biobr 2022.
O Brasil é o país com maior biodiversidade do mundo, ocupando o primeiro lugar entre os 17 países megadiversos do planeta. Estudos estimam que existam entre 10 a 50 milhões de espécies de fauna e flora no planeta, sendo que aproximadamente 20% estão presentes no Brasil. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, são mais de 116 mil espécies de animais e mais de 46 mil espécies de plantas já conhecidas no país. Além disso, o Brasil possui uma rica diversidade social, representada por mais de 200 povos indígenas e diversas outras comunidades, que reúne um acervo de conhecimentos tradicionais associados a espécies presentes no território nacional.
Essa imensa diversidade biológica fornece um vasto patrimônio genético para o país e, consequentemente, carrega grande potencial para a obtenção de novos medicamentos ou substâncias bioativas para o tratamento de inúmeras doenças humanas. Miller Freitas e Cristiano Guimarães, fundadores da Nintx, startup brasileira focada em pesquisa e desenvolvimento de novas terapias com produtos naturais, complementam: “O Brasil possui uma estrutura científica e um marco regulatório avançados, que aliados à sua diversidade biológica incomparável, oferecem uma oportunidade única para o desenvolvimento de terapias inovadoras para necessidades médicas globais não atendidas. Poderia colocar o país em uma posição de menor dependência e destaque mundial no setor de P&D farmacêutico, invertendo a lógica de importar para exportar inovações”.
Apesar de todo esse potencial, quando se analisa o cenário do mercado de fitoterápicos no Brasil, o número de produtos desenvolvidos a partir de fontes vegetais é relativamente pequeno se comparado ao tamanho da biodiversidade do país. Nesse contexto, o Grupo Centroflora, líder nacional na produção sustentável de produtos naturais para a indústria farmacêutica, firmou parceria com pesquisadores e instituições relevantes do setor de saúde e biotecnologia, como Fiocruz, Farmanguinhos, Instituto Stela e Biominas Brasil. Por meio dessa parceria, nasceu o projeto da Plataforma InovafitoBrasil, uma iniciativa para fortalecer a bioeconomia nacional com foco na saúde. A plataforma é motivada a viabilizar a produção de novos fitoterápicos a partir da abordagem dos players do ecossistema de inovação e um roteiro completo guiado pelas exigências regulatórias de cada etapa do desenvolvimento tecnológico.
Em 2020, Cristina Dislich Ropke, Diretora de Inovação do Grupo Centroflora, e Maria Behrens, Chefe do Departamento de Produtos Naturais da Fiocruz, se reuniram para discutir um trabalho de pesquisa com foco na classificação do portfólio de desenvolvimento de fitoterápicos da Fiocruz. A partir desse encontro, criaram um Grupo de Trabalho multidisciplinar para estruturar o roadmap e mostrar os projetos da plataforma InovafitoBrasil. Do lado do Centroflora, o trabalho conceitual foi desenvolvido em conjunto com o Dr. Eduardo Pagani, e contou também com a participação de Bárbara Sena Barbosa. Pela Fiocruz, Sandra Aurora Perez Rodrigues, Cristiane Mota Soares e Paulo Benevides contribuíram com o grupo de trabalho. Além disso, para implementar a plataforma como ferramenta digital, o grupo firmou parceria com o Instituto Stela, que ficou responsável pela programação e estrutura tecnológica.
Peter Andersen, CEO do Grupo Centroflora, explica: “O papel da InovafitoBrasil é criar uma biblioteca de informações organizadas sobre os projetos de fito pelo país, visto que, até então, as informações eram extremamente fragmentadas e as patentes desalinhadas com as necessidades do mercado e o marco regulatório ”. Todos os projetos cadastrados na plataforma são organizados e classificados de acordo com seu Nível de Maturidade Tecnológica (TRL). Essa metodologia, amplamente utilizada para mensurar o estágio de desenvolvimento tecnológico, foi cuidadosamente adaptada ao contexto dos fitoterápicos para atender aos objetivos da plataforma InovafitoBrasil, trabalho realizado por meio da parceria entre Centroflora e Fiocruz.
Maria Behrens conta um pouco dessa experiência: “Foram meses de rica interação de uma equipe multidisciplinar para sistematizar detalhadamente as atividades de P&D fitoterápicos, desde as etapas de obtenção da matéria-prima vegetal, Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), até a produção do medicamento/fitoterápico, nas questões que determinam sua qualidade, eficácia e segurança. A escala TRL aplicada ao desenvolvimento de fitoterápicos visa facilitar o gerenciamento de projetos como ferramenta de planejamento e acompanhamento das atividades e etapas a serem executadas”. Dessa forma, a plataforma cumpre uma função adicional de instrumentalizar o pesquisador quanto às etapas de desenvolvimento de seu produto, aumentando seu potencial de produtividade.
Do ponto de vista regulatório, este trabalho será de grande importância e utilidade, pois ajudará os responsáveis pelos projetos a estarem atentos aos principais requisitos inerentes às várias fases de desenvolvimento do produto. João Paulo Perfeito, Gerente de Fitoterápicos e Complementares da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirma que o processo de obtenção de um fitoterápico a partir de uma planta medicinal é minucioso, envolvendo uma série de etapas, com requisitos específicos bem definidos: “ Considerando as exigências de evidências para comprovar a qualidade, segurança e eficácia dos fitoterápicos, pode-se dizer que, no Brasil, esses produtos estão sujeitos a extensa regulamentação, abrangendo avaliações e controles desde a matéria-prima vegetal, passando pelo derivado vegetal e por fim o fitoterapia”. Por isso, defende que a partir das informações e roteiros compartilhados, a Plataforma InovafitoBrasil poderá facilitar o caminho de profissionais e instituições envolvidas em P&D, estimulando-os a estabelecer estratégias para garantir que a pesquisa atenda às exigências regulatórias e gere novos fitoterápicos para o mercado nacional.
Segundo Cristina Ropke, a plataforma vai além de organizar projetos e fornecer informações relevantes com orientações para instruir o desenvolvimento de fitoterápicos. Também proporcionará um ambiente de conexão entre pesquisadores e indústria, gerando impactos para toda a cadeia produtiva e, por exemplo, contribuindo para o modelo de negócios de empresas que querem inovar e startups de base tecnológica. Para Miller e Cristiano (Nintx), essa interação é muito positiva e deve se tornar mais comum, com as universidades fortalecendo o pilar científico e as indústrias, o regulatório e de patentes. Todas essas vantagens oferecidas pela plataforma InovafitoBrasil facilitam o caminho para o desenvolvimento da fitoterapia e, assim, devem impulsionar inovações radicais no Brasil.
Conforme explica Eduardo Emrich, CEO da Biominas Brasil, instituição voltada para a promoção de startups e negócios no setor de ciências da vida, a plataforma traz uma série de benefícios de curto, médio e longo prazo. A princípio, será possível mapear as tecnologias e projetos de fitoterápicos no país, seus estágios de desenvolvimento e seus desafios. Além disso, as colaborações serão facilitadas, aproximando instituições de pesquisa e empresas para acelerar o processo de desenvolvimento. No longo prazo, tudo isso pode sustentar uma cadeia de desenvolvimento de novos produtos, que beneficiará não só o setor de fitoterápicos, mas todo o mercado de saúde do país. Cristina Ropke comenta ainda sobre o potencial impacto da plataforma: “Podemos destacar outras oportunidades de inovação radical, desde a pesquisa em fitoterápicos, que, por meio de tecnologias de ponta em Drug Discovery, podem levar ao desenvolvimento de moléculas sintéticas inéditas”. Como resultado de todos esses impactos positivos que podem ser gerados pela Plataforma InovafitoBrasil, a expectativa é resultar em um aumento direto na eficiência e produtividade do pipeline de desenvolvimento de novos fitoterápicos no país; maior facilidade nas interações entre academia e indústria; atração de investimentos nacionais e internacionais (através da construção de um ambiente tecnológico de maior estabilidade e confiança); e clareza quanto ao papel de cada parte interessada na cadeia de desenvolvimento de fitoterápicos, desde a concepção, pesquisa e produto final. Para Maria Behrens (Fiocruz), o primeiro passo nesse caminho é elevar o padrão dos processos para garantir o atendimento dos critérios de qualidade, eficácia e segurança e, posteriormente, por meio da redução de erros e falhas em projetos, garantir a minimização de riscos de investimento. Confiante no projeto, Emrich (Biominas) concorda: “O país pode efetivamente dar um salto tecnológico, atrair recursos para investimentos e mudar de patamar no mundo. Essa é a visão de todos os envolvidos no projeto da plataforma”.
Tudo isso só é possível a partir da mudança do olhar para a biodiversidade brasileira, trazendo uma perspectiva de fonte de inovação, cujos fitoterápicos são vistos como uma estratégia para o país se destacar no mercado mundial de saúde. A Plataforma InovafitoBrasil efetivamente permite que esse potencial se torne realidade, com segurança e respeito às comunidades e ao marco legal.
O Instituto Stela, parceiro na criação da Plataforma InovafitoBrasil, é uma entidade privada, sem fins lucrativos, que, por meio de suas atividades, busca fazer a ligação entre a academia e o mercado para a geração de soluções socioeconômicas de alto impacto. O Instituto é conhecido mundialmente por desenvolver a Plataforma CNPq Lattes, uma das maiores bases de dados de registro da atividade científica do Brasil.
“Seguindo a visão contemporânea de plataformas digitais e negócios baseados em plataformas, a InovafitoBrasil busca em seu planejamento conectar-se com as iniciativas existentes e disponibilizar novos recursos para promover o ecossistema de inovação e a biodiversidade brasileira. Em sua primeira geração, a InovafitoBrasil priorizou a disponibilização de recursos para academia, pesquisadores e startups, incluindo um roteiro baseado em estágios de maturidade para registro de projetos fitoterápicos, com a intenção de prestar um auxílio inteligente ao avanço de novos projetos, além de promover o visibilidade dos projetos junto a potenciais investidores. A plataforma também oferece, em sua primeira versão, suporte aos investidores e ao setor produtivo na localização de novos projetos para potenciais investimentos e no acesso a atores-chave do ecossistema para a formação de parcerias.”
O Aché é uma empresa brasileira com 55 anos de presença no mercado farmacêutico. Os produtos Aché alcançaram novos mercados por meio de acordos de licenciamento que hoje abrangem 21 países da América Latina, África, Ásia e Europa. O Aché colaborou com sua experiência com a InovafitoBrasil.
“A plataforma InovafitoBrasil será um grande marco, não só para a indústria farmacêutica, mas também para os pesquisadores que realizam P&D a partir da biodiversidade brasileira. Por meio da metodologia revisada do TRL, a plataforma ajudará os pesquisadores a entender as fases do desenvolvimento da pesquisa, orientando-os para as próximas etapas e apoiando-os a tornar o projeto mais atraente em pitches para a indústria e investidores. O Aché vê com bons olhos a iniciativa e, por isso, apoiamos sua estruturação trazendo o ponto de vista do setor. O lançamento do Acheflan (pelo Aché) em 2006 foi uma iniciativa pioneira por ser o primeiro fitoterápico 100% desenvolvido no país. Hoje, o Acheflan é comercializado em mais de vinte países através de parcerias licenciadas. Além do Acheflan, o Aché tem outros sete projetos em desenvolvimento ordenando ativos da biodiversidade. A mais avançada delas está na Fase Clínica 2, a penúltima antes do pedido de registro global do produto. Ou seja, nas últimas duas décadas, o Aché acumulou uma boa expertise no desenvolvimento de fitoterápicos. Portanto, contribuímos com a plataforma a partir dessa experiência de desenvolvimento industrial, demonstrando as dificuldades e os principais pontos de atenção nas etapas de desenvolvimento, de forma a facilitar esse processo para os pesquisadores.”
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