O Brasil é um dos países mais plural do mundo, no que diz respeito à biodiversidade. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Pnuma, entre 15% e 20% da diversidade biológica do planeta está concentrada no país. Um estudo do IPEA estimou que de 25% a 40% dos medicamentos têm como princípio ativo elementos retirados diretamente da natureza, apesar de somente 5% da flora mundial já ter sido analisada para identificar o seu potencial farmacológico. Nesse contexto, a biodiversidade brasileira constitui uma das maiores potencialidades para alavancar a indústria de fitoterápicos do país, notadamente num momento que o mundo discute o
desenvolvimento sustentável.
As agendas de conservação ambiental e da bioeconomia vem ganhando destaque em nível global. Para que o Brasil aproveite essa oportunidade é fundamental a criação de políticas públicas que proporcione o uso sustentável dos recursos naturais. Isso inclui o estabelecimento de um arcabouço legal, que não apenas regulamente, mas promova e
estimule as relações entre a P&D, o mercado e as comunidades locais. Adicionalmente, a concessão do financiamento de longo prazo, previsível e contínuo, além do uso dos instrumentos financeiros mais adequados conforme o nível de maturidade tecnológica, se fazem necessários para estimular a pesquisa científica e o investimento das empresas
privadas.
A estruturação de um empreendimento para exploração sustentável é extremamente complexa, com riscos elevados e longo prazo de maturação. Tal ação envolve etapas as quais a incerteza do sucesso está presente nas suas inúmeras fases. São elas, principalmente: o acesso ao produto natural, a estruturação das condições de extração adequadas, o processamento que permita realizar uma prova de conceito que justifique o interesse farmacêutico e o aumento de escala inicial, o desenvolvimento do extrato para executar os testes não clínicos em boas práticas de laboratório para o estudo
Para que o uso da biodiversidade brasileira possa por meio da aplicação de tecnologias originar novos produtos é necessário que os atores convirjam para objetivos comuns e atuem de forma coordenada. Um arranjo produtivo que envolva a extração, realizada por cooperativas, empresa extrativista ou pequenos produtores, somados a capacidade científica e tecnológica instalada no país, executada por universidades, ICTs ou startups que tenham agilidade para identificação do potencial terapêutico e complementado pelo trabalho das empresas com capacidade produtiva, todos com o mesmo propósito, pode aumentar o potencial de geração de inovações oriundas do ecossistema brasileiro. Nesse caso, a indústria de fitoterápicos é um segmento estratégico que pode aproveitar essa composição e gerar novos negócios para o setor farmacêutico.
Para impulsionar o desenvolvimento a partir da biodiversidade brasileira é importante assegurar que o tema da exploração econômica sustentável seja consenso institucional nacional e prioritário nas diferentes esferas de governo. Isso é necessário a fim de realizar uma mobilização das capacidades científicas, tecnológicas e empresarial
em torno do tema, acompanhado do fomento público e do investimento privado em volume, tempo e condições financeiras suficientes para permitir a mitigação dos riscos e compatibilizar o retorno dos investimentos.
O papel do fomento público consiste, de forma geral, em contribuir com a formulação da política pública, elencando as prioridades a serem apoiadas, além de prospectar as instituições que farão parte do arranjo, mapeando as suas competências. É função também, estimular o setor privado na mobilização dos atores em torno da demanda indicada (por exemplo, efeito biológico de interesse farmacêutico) e ainda, coordenar os instrumentos financeiros mais adequados para apoiar o empreendimento.
Nas ações iniciais do empreendimento, as atividades são de caráter eminentemente científico e exploram o nível de conhecimento que poderá resultar numa prova de conceito. Para essa etapa os instrumentos não reembolsáveis aplicados pela Finep e pelo CNPq, por exemplo, são pertinentes para o apoio desse tipo de estágio.
Uma vez que a prova de conceito foi estabelecida, segue-se para a etapa de desenvolvimento tecnológico de produto. Nesta fase, a mobilização entre as ICTs e as empresas privadas são importantes para o sucesso do empreendimento. O projeto ainda apresenta riscos tecnológicos elevados e necessita receber investimentos relevantes para transformar um conceito laboratorial em um protótipo operacional. Mais uma vez, os recursos não reembolsáveis operacionalizados pela Finep (subvenção econômica, bônus tecnológico, ICT – cooperativo ou Finep startup), ou ainda, os mecanismos de renda variável, disponibilizados pelo BNDES são exemplos de instrumentos financeiros
públicos que estimulam o desenvolvimento de produtos e processos nesse nível de maturidade tecnológica no segmento de fitoterápicos.
Com a conclusão dos estudos clínicos fase II, que comprovem a eficácia e os níveis de toxicidade bem-sucedido, temos uma redução significativa dos riscos associados à inovação. Assim, o foco do desenvolvimento agora passa a ser a condução dos ensaios clínicos fase III e o aprimoramento de processos para que o desempenho operacional ocorra conforme previsto. Para esse momento, os instrumentos mais apropriados são o crédito com taxas de juros reduzidas, com longos prazos de carência e amortização operacionalizados pela Finep e pelo BNDES, além dos incentivos fiscais, como a Lei do Bem.
Com o desenvolvimento pronto e qualificado, caberá a empresa então executar a farmacovigilância e os estudos clínicos de fase IV. Para essa etapa, novamente o instrumento de crédito de longo prazo, ou ainda, a emissão de debêntures incentivadas, seriam suficientes para compatibilizar o estágio de risco do empreendimento, com o
volume de investimento para ganhos de escala frente a capacidade de alocação de recursos das empresas.
Assim, considerando as características específicas para exploração sustentável do ecossistema brasileiro, bem como os riscos tecnológicos associados, o desenvolvimento de uma política de longo prazo que promova a indução dos arranjos complexos envolvendo os múltiplos atores é imprescindível. Nesse sentido, a criação de um programa de financiamento que envolva a concessão integrada de recursos não – reembolsáveis às ICTs, de subvenção econômica e de crédito com taxas subsidiadas para as empresas, aliada a inclusão das alternativas terapêuticas ofertadas aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos pilares que deve permear a discussão de como aproveitar o potencial econômico da biodiversidade brasileira. A implementação de mecanismos financeiros e não financeiros, sem uma articulação do setor público e produtivo, pode produzir políticas industriais e de inovação pouco eficientes.
Alguns casos de integração de instrumentos financeiros ofertadas por agências e bancos públicos mostraram que isso é possível. Por exemplo, a articulação entre o CNPq e a Finep, que em 2021, sob a coordenação do MCTI, incentivou o desenvolvimento de tecnologias brasileiras de vacinas contra o COVID-19. Ou o Inova Saúde, proposto pela Finep em 2013, executado em parceria com o BNDES e que envolveu o poder de compra do Ministério da Saúde. Esse último resultou na capacitação de algumas empresas brasileiras para produção de medicamentos biossimilares no país.
O Brasil possui um portfólio diversificado de instrumentos financeiros para apoiar a C,T&I. O Fundo Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) é a principal fonte de financiamento à pesquisa científica e tecnológica do país. A mudança ocorrida nesse Fundo, por meio da aprovação da Lei Complementar 177 é uma questão importante e que pode transformar a dinâmica do fomento à C,T&I do país nos próximos anos. A garantia de uma fonte de recursos estável e contínua é fundamental para que se faça o melhor uso dos instrumentos financeiros e, dessa forma, o país avance no planejamento de ações para o desenvolvimento de C,T&I.
Portanto, o Brasil dispõe de capacitação e experiência para desenvolver este trabalho, seja nas ICTs, nas empresas ou no governo. Se colocarmos a bioeconomia como uma agenda prioritária na construção do desenvolvimento econômico sustentável nacional podemos ter um cenário positivo para a cadeia de fitoterápicos nos próximos anos.
Rodrigo Secioso
Economista – Superintendente da Finep.
Igor Bueno
Doutor em Economia – Analista de projetos da Finep.
Ótimo conteúdo. De fato, o Brasil é rico quando o assunto é biodiversidade. Sustentabilidade é uma pauta cada vez mais urgente.
Obrigada, Eduardo! Acreditamos no poder da biodiversidade e por isso estamos convictos de que a plataforma InovafitoBrasil vai impulsionar novos projetos oriundos dos nossos ativos naturais brasileiros.