A busca por substâncias ativas a partir de plantas medicinais sempre foi um desafio da humanidade. No Brasil, temos uma vantagem por abrigar uma das maiores biodiversidades do planeta, com cerca de 47 mil espécies de fungos e plantas em sua flora, o que aumenta as chances de inovação. Somente na Amazônia, estima-se que existam cerca de 15 mil espécies arbóreas. No entanto, apesar dos avanços em tecnologias analítica, que necessitam cada vez menos material, e computacionais, que aceleram a identificação de compostos inéditos, ainda não temos capacidade técnica para analisar toda a biodiversidade disponível. Daí a pergunta, como escolher quais espécies estudar para descobrir de modo eficaz plantas com impacto para a humanidade?
Uma estratégia muito promissora utilizada como ponto de partida pelos pesquisadores é a utilização do conhecimento popular sobre plantas medicinais utilizadas na medicina tradicional. As áreas da ciência chamadas Etnofarmacologia e Etnobotânica, estudam plantas úteis utilizadas por comunidades tradicionais, principalmente as espécies vegetais usadas no tratamento de doenças. Através dessa abordagem, é possível acessar o conhecimento acumulado ao longo de várias gerações e aumentar as chances de descobrir novos produtos naturais que podem ajudar a humanidade. Muitos dos medicamentos atuais foram primeiro descobertos através de comunidades tradicionais e posteriormente disponibilizados em larga escala em nossa sociedade.
Uma doença que atinge todo o mundo, com alta demanda de novas alternativas para tratamento é Diabetes mellitus. O diabetes é uma doença metabólica, caracterizada por níveis elevados de açúcar no sangue, que atinge principalmente populações vivendo em países de baixa e média renda. Cerca de 422 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas por essa doença, e a cada ano, 1,5 milhões de mortes são diretamente atribuídas a ela. Portanto, a descoberta de novos compostos que consigam diminuir os níveis glicêmicos, poderia ter impacto na vida de milhares de pessoas.
Com base em estudos de Etnofarmacologia, uma espécie que chama à atenção na medicina tradicional brasileira é Bauhinia forficata, popularmente conhecida como “pata-de-vaca” devido ao formato de suas folhas. Estas, são amplamente utilizadas na medicina popular brasileira para tratar doenças cardiovasculares e principalmente, diabetes. Vários estudos, de diferentes etnias, indicam o uso de espécies de Bauhinia para o tratamento do diabetes, o que pode ser considerado um forte indicio de que de fato há um benefício em seu uso. Estudos químicos destas espécies identificaram a presença de flavonoides, taninos, alcaloides e saponinas.
Embora Bauhinia forficata seja considerada a autêntica “pata-de-vaca ” e seja a espécie mais investigada para o tratamento do diabetes, as folhas e cascas do caule de outras espécies de Bauhinia são frequentemente utilizadas na medicina popular brasileira devido à semelhança morfológica entre as espécies. Nesse sentido, os pesquisadores deste estudo buscaram outras espécies do gênero Bauhinia que poderiam conter compostos ativos úteis para o tratamento do diabetes e descobriram a espécie Bauhinia holophylla, também conhecida como pata-de-vaca-do-cerrado, que é amplamente distribuída em diferentes estados brasileiros.
Os pesquisadores então conduziram experimentos para verificar a atividade hipoglicemiante da B. holophylla em um modelo animal de diabetes, o que resultou em uma atividade promissora. A partir desse ponto, os pesquisadores realizaram experimentos para identificar os princípios ativos responsáveis pela atividade antidiabética usando a estratégia de fracionamento bioguiado. Eles descobriram uma fração do extrato das folhas contendo uma classe de compostos nunca antes descrita na literatura por apresentar atividade hipoglicêmica, o que se tornou o foco dos próximos anos de estudo. Em um estudo detalhado, os pesquisadores isolaram e testaram os compostos presentes nessa fração em um modelo animal, descobrindo novos produtos naturais com atividade hipoglicêmica muito potente e com a vantagem de poderem ser utilizados como tratamento para diferentes tipos de diabetes.
Os autores destacam que esses resultados foram possíveis graças ao uso de diferentes plataformas analíticas e à colaboração de equipes multidisciplinares, o que foi o diferencial deste trabalho em relação a outros estudos realizados com a mesma espécie. Além disso, a documentação do conhecimento tradicional associado à Bauhinia foi fundamental para a identificação de novos produtos ativos de espécies já conhecidas, mas que estavam escondidos na natureza.
Embora os resultados sejam promissores, os autores ressaltam a necessidade de novos estudos em modelos animais e em fase clínica para o uso seguro e eficaz dessa planta. Por fim, o estudo destaca a importância da documentação do conhecimento tradicional na descoberta de tesouros escondidos nas florestas e para um entendimento mais profundo da utilização de plantas medicinais. Uma patente foi depositada para proteger os resultados e permitir futuras negociações com o setor farmacêutico. O estudo completo pode ser encontrado na publicação original publicado na PlosOne (Hypoglycemic active principles from the leaves of Bauhinia holophylla: Comprehensive phytochemical characterization and in vivo activity profile | PLOS ONE)
Em última análise, este estudo destaca a importância da documentação do conhecimento tradicional para um entendimento mais profundo da utilização de plantas medicinais e para guiar os pesquisadores na descoberta de tesouros escondidos nas florestas.
Visando impulsionar e dar visibilidade para as pesquisas brasileiras provenientes da biodiversidade brasileira, foi criada a plataforma InovafitoBrasil, que apresenta um roteiro padronizado de desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos incorporando as exigências regulatórias no contexto dos níveis de maturidade tecnológica. A plataforma conecta a academia e a indústria, que lidam com a negociação de acordo com suas próprias políticas de proteção intelectual.
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