No final de 2022, a Biominas Brasil e a Iniciativa FIS lançaram, conjuntamente, o Mapeamento de Deep Techs em Saúde no Brasil, um levantamento de 233 startups que desenvolvem tecnologias próprias, com o potencial de mudar a saúde no Brasil e, em alguns casos, no mundo. Recentemente a Abstartups, em parceria com a Deloitte, lançou também a 5ª edição do seu Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups, onde compilaram os dados de 14.000 startups brasileiras de diversos perfis e áreas de atuação.
No Mapeamento de Deep Techs buscamos identificar startups da área da saúde, que estão desenvolvendo soluções com um componente tecnológico robusto e expressivo. Considerando o recorte escolhido, de startups com um conjunto de características bem específicas, obtivemos 233 respondentes ao questionário enviado. Pelos nossos critérios, uma parte delas (aprox. 30%) apresenta aspectos de Deep Techs.
Ao desenvolvermos o referido estudo, nossa primeira tarefa foi evidenciar as diferenças entre uma startup e uma startup Deep Tech. De forma sucinta, Deep Techs possuem 4 particularidades que tornam seu sucesso mais difícil e suas tecnologias mais arriscadas: desenvolvem tecnologias de Hard Sciences inovadoras, possuem processo de industrialização extensivo, grande incerteza sobre aplicações comerciais e necessitam de altos investimentos. Por isso, nem todas as startups são deep techs.
Faremos aqui um breve comparativo entre os resultados obtidos pelos dois mapeamentos citados acima, a fim de encontrar semelhanças e diferenças, e o que podem implicar para o cenário de inovação no Brasil.
A primeira grande diferença entre os mapeamentos é a diferença amostral entre ambos, que, dada as características de uma Deep Tech, era esperada. A Abstartups identificou 8,9% das startups brasileiras como Health Techs e Life Sciences (Saúde e Bem-estar), o que representa aproximadamente 1.246 startups. Já nosso mapeamento considerou os dados de 233 negócios com tecnologias mais robustas, que foram classificadas entre Health Techs (50,9%), Biotechs (34,2%) e TechBio (14,9%).
Em ambos casos, a região Sudeste foi a que mais concentrou empresas, com uma porcentagem maior para Deep Techs. O Sudeste ainda concentra grande parte do capital privado do país, sendo a sede de diversas empresas e iniciativas de inovação aberta. Além disso, o Sudeste possui um maior número de Deep Techs, em geral diretamente ligadas a instituições de Ciência e Tecnologia renomadas, incluindo USP, UNICAMP, UFMG, UFRJ e Fiocruz, que realizam pesquisas de ponta. Os mapeamentos confirmam a tese de que os principais polos de tecnologia estão ligados a centros de pesquisa de referência.
Observa-se também que o aumento do número de startups, que se deu nos últimos anos aconteceu de maneira geral em todas as áreas, sendo que um pouco mais de 40% das startups foram fundadas há menos de 2 anos. Tanto a disseminação de conhecimento e práticas de empreendedorismo, quanto o surgimento de novas iniciativas de inovação no ecossistema podem ter contribuído para a alta, sem contar os inúmeros desafios oriundos da pandemia de Covid-19, que representam novas oportunidades de mercado.
Ambos os mapeamentos buscaram compreender quem são as pessoas que fundam startups no Brasil e vemos nos dois uma baixa diversidade nos respondentes. Mulheres representam mais da metade da população brasileira, mas a grande maioria das startups não possuem fundadoras mulheres, na verdade as taxas não chegam nem a 40%. O mesmo acontece com pretos e pardos, que representam mais da metade da população, mas não possuem uma proporcionalidade no mundo das startups. Apesar da maioria dos respondentes, em ambos estudos, concordarem que diversidade é um fator importante, os números nos mostram que a prática é diferente da teoria. Assim, vemos que a falta de diversidade é um problema sistêmico do ecossistema, que extrapola setores e segmentos. É necessário que ações coordenadas sejam tomadas para que os números possam mudar.
Outro fator relevante é o nível de escolaridade dos fundadores, onde vemos uma grande diferença entre as Deep Techs e demais startups. Dentre os fundadores mapeados pela Abstartups, 23,9% possuem mestrado ou doutorado, esse percentual aumenta aproximadamente 2,5x (61,4%) no mapeamento de Deep Techs. Tecnologias profundas são muitas vezes associadas a um alto grau acadêmico, uma vez que são tecnologias disruptivas que exigem um conhecimento técnico avançado. A disseminação dos conceitos de empreendedorismo e as políticas de inovação das instituições de pesquisa no Brasil contribuíram para o aumento significativo de tecnologias robustas saindo da academia para o mercado.
As particularidades das Deep Techs citadas ao longo do texto criam diferenças na forma de conduzir uma startup de tecnologia profunda frente às demais startups. Pode-se dizer que Deep Techs possuem tecnologias mais difíceis de serem desenvolvidas, uma vez que estão trabalhando na fronteira da ciência, carregando mais riscos e uma maior necessidade de recursos. Algumas informações corroboram com isso, no geral, Deep Techs se encontram mais na fase de validação (37,8%), enquanto startups no geral possuem sua maior porcentagem na fase de tração (35%).
Deep Techs começam muitas vezes como projetos de pesquisa dentro de universidades e ICTs. São longas pesquisas científicas que precisam de grandes volumes de financiamento e diferentes formas de fomento até alcançarem sua viabilidade no mercado. Por isso, em todo o mundo Deep Techs são fortemente financiadas pelo Estado até que atinjam uma maturidade e viabilidade para o mercado privado. Apesar do Brasil ainda carecer de programas financiadores de tecnologia, já vemos uma grande diferença nos dados dos mapeamentos, das 14.000 startups mapeadas pela Abstartups, apenas 13% já recebeu algum fomento público contra 47,6% no mapeamento da Biominas. A maior parte das Deep Techs que receberam fomento público estavam vinculadas a uma ICT e acessaram editais que eram focados em tecnologias inovadoras, como PIPE/FAPESP e chamadas Finep.
Quanto aos investimentos privados, observa-se uma diferença na percentagem de startups que nunca receberam recursos, 60,4% das startups e 37,3% das Deep Techs. As bases amostrais utilizadas pelos dois mapeamentos podem justificar em parte esta diferença. Entretanto, entendemos que o fato de Deep Techs necessitarem de investimentos significativos para sobreviver, enquanto outras startups conseguem se manter por mais tempo sem investimentos, inclusive através de entradas mais rápidas no mercado, é a principal justificativa para a discrepância observada. Para uma Deep Tech, o investimento é imprescindível para sua sobrevivência, uma vez que pode passar muitos anos alocando recursos em P&D, sem vender um produto ou serviço.
Notamos que, em ambos os mapeamentos, a maior parte das startups se concentram em faixas de investimento abaixo de 1 milhão de reais, o que mostra que tickets mais altos ainda não são muito comuns no ecossistema brasileiro, independente de qual tecnologia está sendo desenvolvida.
A partir da comparação entre os dados dos dois mapeamentos vemos que alguns indicadores semelhantes mostram uma tendência de alta no surgimento de startups de todos os tipos e segmentos no Brasil, validando assim um ecossistema crescente, mas ainda jovem. A curva de crescimento do número de startups reduziu um pouco o ritmo, mas continua em franco desenvolvimento.
Vemos também que as diferenças existentes exigem uma pluralidade de players, sendo eles hubs de inovação, investidores e empresas dispostas a investirem e a fomentarem tanto Deep Techs quanto às demais startups, o que exige também uma série de competências diversas que no final agregam para todo o ecossistema.
Nós da Biominas, trabalhando há mais de 30 anos no fomento do setor de ciências da vida, em especial empresas e startups de forte base tecnológica, acreditamos que o mercado continua muito promissor com diversas startups e tecnologias relevantes sendo desenvolvidas no Brasil.
Ainda não recebemos comentários. Seja o primeiro a deixar sua opinião.
Deixe um comentário