Num momento em que o Brasil convive com o crescimento do endividamento público, o investimento do Estado em inovação tem que fazer parte da solução fiscal para o país. Essa é a mensagem que a acadêmica italiana Mariana Mazzucato quer deixar ao governo durante sua passagem pelo país esta semana.
Professora de economia da inovação na Universidade de Sussex, no Reino Unido, Mariana desembarca no Brasil com a missão de falar em visão de longo prazo para o país. Em meio à crise política que paira sobre Brasília, a pesquisadora se reúne hoje com o ministro de Ciência e Tecnologia, Celso Pensera, para apresentar um estudo com um conjunto de recomendações que subsidiarão o plano estratégico nacional para o setor de inovação e tecnologia.
Em entrevista exclusiva ao Valor, a pesquisadora, autora de \”O Estado Empreendedor\”, reconhece que o momento político-econômico não é favorável para mudanças mais estruturais, que dependam do Congresso, mas enxerga que, ainda assim, o Brasil tem condições de elevar os investimentos em inovação no médio prazo, do patamar atual de 1,7% do PIB para 2%.
Mariana destaca, contudo, que é preciso reconhecer o papel ativo do Estado na promoção da pesquisa e desenvolvimento e que, em meio à necessidade de ajustar as contas da União, o investimento em P&D deve fazer parte da estratégia para reequilibrar a questão fiscal do país. Segundo ela, em vez de focar apenas no corte de despesas, as políticas fiscais deveriam olhar para medidas que possam sustentar o crescimento da economia no longo prazo.
\”Investir em inovação aumenta as receitas com impostos, emprego e produtividade. Não significa gastar de forma irresponsável, não é o caso. Também não significa investir em qualquer coisa, mas é fazer escolhas difíceis. Acreditamos numa estratégia de investimentos orientada pelo Estado\”, disse.
Ela cita que as grandes revoluções tecnológicas, como a da informática, no Vale do Silício (Califórnia), e, mais recentemente, a produção de gás não convencional, também nos Estados Unidos, se desenvolveram a partir da interação entre investimentos públicos e privados. A pesquisadora destaca que, historicamente, a atuação do setor privado na inovação é tímida no Brasil e que essa participação precisa ser estimulada pelo Estado a partir de financiamento, ou de regulação.
\”Eles [setor privado] deveriam [investir mais], mas não fazem. Infelizmente. Com certeza o setor privado poderia fazer mais, quando se tem gastos direcionados pelo setor público em áreas novas, você motiva as empresas a se moverem\”, afirmou a pesquisadora, que assina o estudo em conjunto com o brasileiro Caetano Penna, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A principal conclusão do estudo, segundo Penna, é que o Brasil precisa de políticas públicas baseadas em metas específicas de longo prazo e que respondam a desafios sociais. \”São políticas que direcionam os investimentos. Isso significa traçar desafios, sejam por exemplo sociais ou ambientais, para onde se destinariam os investimentos. Casar problemas com soluções\” explica.
O relatório cita exemplos de programas de inovação bem-sucedidos no país, sobretudo nas áreas de saúde, onde se destaca a interação entre iniciativa privada, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o setor público no desenvolvimento de medicamentos e equipamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS); e no setor de bioenergia, onde o estudo destaca o Plano Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
O estudo faz um diagnóstico da inovação no país e traz um conjunto de oito recomendações ao governo, entre elas a necessidade de adoção de políticas sistêmicas, claras e objetivas, e do aumento das sinergias entre público e privado.
Ainda segundo o estudo, uma política de inovação não pode se restringir a alguns setores da economia. Os pesquisadores, no entanto, veem potencial para que sejam traçadas políticas para algumas áreas macroeconômicas, como infraestrutura urbana e de serviços públicos; agrobusiness e agricultura familiar; defesa nacional e energia e ambiente.
Fonte: Valor Econômico