Muitos pesquisadores são movidos pela curiosidade e realizam suas pesquisas por anos sem necessariamente pensar em como a pesquisa poderá ser aplicada no mercado e qual será seu impacto financeiro. A geração de conhecimento por si só, já cria desdobramentos positivos na sociedade, uma vez que pode ser inspiração para novas tecnologias, e é fundamental para gerações futuras. Sabemos que o conhecimento é difuso e que pesquisas escritas no passado são a base para os descobrimentos de hoje , e que este ciclo se repetirá no futuro.
Realizar pesquisa apenas com o objetivo de gerar novos conhecimentos já é algo positivo, mas é possível fazer ainda mais com os estudos que são gerados dentro de universidades e centros de pesquisa. Quando falamos em pesquisa aplicada pesquisadores devem olhar para o mundo e pensar como o que está sendo criado na bancada pode ajudar pessoas com problemas reais.
Trabalhei e é esse o destino da minha pesquisa de biotec?
Existem duas maneiras de uma tecnologia chegar a sociedade, tech push ou market pull. Nenhum modelo é mais correto que o outro, o ideal é que ocorra um equilíbrio entre eles.
No modelo tech push, o pesquisador escolhe seu campo de estudo por afinidade, gostos e preferências pessoais, assim, só depois de uma possível descoberta se analisa a aplicabilidade da tecnologia. Na abordagem tech push novas soluções surgem direcionada pelos avanços científicos. Na universidade isso resulta no chamado: Ciência de prateleira. No modelo market pull, o pesquisador olha primeiro para a sociedade e o mercado, identifica áreas de melhoria e já conduz sua pesquisa pensando em como ela será aplicada. No modelo market pull, muitas vezes,a demanda da pesquisa pode surgir da necessidade de uma empresa específica, que pode até vir a financiar estudos em suas áreas de interesse.
“Fiz minha pesquisa no modelo de tech push, como busco uma aplicabilidade para ela agora?”
Saia da zona de conforto
A primeira coisa a se fazer é sair da zona de conforto. Muitas vezes não é possível pensar de maneira criativa por estar vivendo a mesma rotina há muito tempo. Pesquisadores devem aprofundar bastante em um assunto para conseguir desenvolver pesquisas de qualidade, mas isso também pode gerar uma dificuldade em olhar para um mesmo tema com perspectivas diferentes. Por isso, o primeiro passo é desenvolver uma mudança de mindset e estar aberto à ideia de que sua pesquisa pode seguir rumos que você não previu.
Ao sair de uma zona estritamente acadêmica, o pesquisador consegue conviver com outros players do ecossistema, pode desenvolver novas habilidades e pode descobrir alguma necessidade de mercado que poderá ser atendida com sua tecnologia, e que até então não se sabia.
Converse com empresas
Conversar com empresas já é um ato de saída da zona de conforto para muitos pesquisadores, mas esta é uma etapa tão importante que merece um tópico próprio. Quando falamos de hard science em ciências da vida, muitas vezes, seu cliente não é o seu usuário final (quem de fato irá utilizar o produto), e sim empresas. Por isso, entender quais áreas de interesse do PD&I das principais empresas do seu segmento te mostrará se sua pesquisa é uma prioridade ou não. Porém, esses dados não são tão simples de serem encontrados, demandam várias conversas com pessoas-chave nas empresas que foram mapeadas pelo pesquisador.
Para conversar com empresas será necessário que o pesquisador adapte seu discurso. Pesquisadores tendem a focar a comunicação nos aspectos técnicos referentes à pesquisa, com termos bem específicos da área e detalhes sobre metodologias. Empresas, por outro lado, focam no tamanho do mercado e nas necessidades da população, fatores que irão indicar o retorno financeiro de um produto. Esse é o primeiro ponto a se adaptar ao conversar com uma empresa, compreenda dados mercadológicos para atrair a atenção, e em momentos posteriores (inclusive utilizando de acordos de confidencialidade) discuta os detalhes da tecnologia.
Mas não basta mudar a forma de comunicação, você precisa chegar até essas empresas. No Brasil,temos um histórico de distanciamento entre empresas e universidades ou centros de pesquisa, contudo recentemente temos observado um estreitamento dessas relações. Porém, ainda não chegamos no cenário ideal, por isso na maioria das vezes o pesquisador terá que buscar outras alternativas para entrar em contato com os funcionários das empresas desejadas. Segue algumas dicas nesse sentido:
- Busque pelo cargo correto: confira dentro da estrutura da empresa qual é a pessoa ideal para se conversar. Pode ser um Diretor de Inovação, Coordenador de P&D ou Diretor de Novos Negócios. Caso não consiga chegar em pessoas em cargos mais altos, converse com analistas dessas áreas;
- Faça um LinkedIn: o mercado privado está cada vez mais no Linkedin, por isso, se seu objetivo é falar com colaboradores de empresas, investidores e pessoas do ecossistema de inovação você deve ter um perfil no LinkedIn. Além disso, começar uma conversa por LinkedIn gera uma intimidade maior do que apenas enviar um e-mail para endereços corporativos;
- Fale com seu NIT: está cada vez mais comum que NITs brasileiros tenham políticas de apoio a empreendedorismo e inovação. Por isso, sempre verifique em quais áreas seu NIT pode te auxiliar, não só no contato com empresas, mas também com questões legais e de propriedade intelectual;
- Participação em Eventos: eventos de empreendedorismo, inovação e outros específicos de cada setor são ótimas oportunidades de começar um networking com grandes empresas e outros atores do ecossistema.
- Plataformas de Open Innovation: empresas estão cada vez mais lançando desafios e fazendo chamadas abertas procurando por pesquisas, tecnologias e/ou startups para solucionar problemas internos. Por isso, fique de olho nas oportunidades.
Busque por inovações complementares
É comum conhecermos grandes inventores e somos ensinados que grande parte deles, tiveram descobertas enormes por acaso, mas não damos tanto crédito para todas as inovações e pesquisas que foram criadas antes, que possibilitaram essas “grandes descobertas”. Por exemplo, sabemos que foi James Watt quem inventou a máquina a vapor em 1769, mas poucos sabem que essa inovação só foi possível por causa de tecnologias desenvolvidas por Thomas Newcomen (1712), Thomas Savery (1698) e Denis Papin (1680), que também se inspiraram em outras descobertas passadas.
Essa lógica também se aplica para ciências da vida, pesquisadores hoje podem aproveitar de moléculas já existentes e que são utilizadas no mercado e analisar novas aplicabilidades para ela, ou por exemplo, buscar maneiras de aprimorar proteínas já conhecidas. Apesar de ainda serem tarefas complexas, podem ser desenvolvidas mais rapidamente do que inovações disruptivas na área.
Portanto, busque analisar produtos ou serviços já existentes que podem ser aprimorados com a tecnologia que está sendo desenvolvida. Inovações complementares podem causar um grande impacto financeiro e na qualidade do que já está no mercado, além de ter custos de implementação e de adaptação menores do que de inovações disruptivas. Claro que devemos continuar a busca por inovações disruptivas, mas elas podem acontecer em paralelo a inovações complementares.
Adote o “slow-motion multitasking”
Tim Harford trouxe o conceito de slow-motion multitasking em seu TED Talk, que trata do hábito de ser multitarefa, porém em um ritmo lento, e como essa prática é importante para a criatividade. Sabemos que ser multitarefa ao navegar em várias abas ao mesmo tempo no computador ou dirigir enquanto usa o celular não são formas efetivas nem produtivas de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Porém, trabalhar em mais de um projeto com um tempo de espaço entre a execução de ambos pode gerar grandes benefícios para o avanço do trabalho.
Isso acontece porque a criatividade acontece quando tiramos uma ideia de seu contexto atual e aplicamos em outro, com isso ao trabalhar em diferentes áreas ou assuntos há maiores probabilidades de se achar novas aplicações para ideias ou tecnologias que ainda não se sabe exatamente como usar. Além disso, muitas vezes há um bloqueio mental quando se trabalhar incansavelmente em um único assunto, e o avanço fica cada vez mais lento e a produtividade cai bastante. Nesse cenário, possuir outro assunto de interesse para se trabalhar pode abrir espaço na mente para que depois seja possível retomar o assunto inicial.
Conclusão
Para encontrar aplicações práticas para uma pesquisa é necessário se inserir em ambientes nos quais nem sempre o pesquisador está acostumado. Contudo, apenas ao sair da zona de conforto e passar a enxergar os problemas através de outras perspectivas que se é possível desenvolver soluções que realmente fazem sentido para a sociedade.