Por Laura Lunardi, Analista Técnica da Biominas Brasil
Recentemente, foram publicadas pela Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, SCTIE/MS, novas decisões da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) sobre incorporação de medicamentos no Sistema Único de Saúde – SUS.
A CONITEC, coordenada pela SCTIE, foi criada pela Lei nº 12.401 de 28 de abril de 2011, em substituição à CITEC (Comissão de Incorporação de Tecnologias) e, desde então, é responsável pelas decisões de incorporação, exclusão ou alteração de tecnologias e procedimentos do SUS, bem como pela elaboração da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) e da Relação Nacional de Ações e Serviços em Saúde (RENASES).
De acordo com as últimas decisões, farão parte do elenco do SUS em 2016 um medicamento para o tratamento de psicose relacionada à doença de Parkinson, bem como os procedimentos laboratoriais por técnicas de Western Blot e PCR em tempo real no diagnóstico de leucemia/linfoma de células T do adulto associado ao HTLV-1. Em março deste ano também foi decidido pela incorporação de um medicamento para transtorno comportamental, imunossupressores para transplante pulmonar e uma injeção para intoxicações por cianeto. Além disso foram excluídos do SUS um fator estimulador de colônias de granulócitos e uma associação de enzimas para o tratamento da insuficiência pancreática.
Mas de onde partem tais demandas para incorporação ou exclusão de tecnologias? A CONITEC obedece a um fluxo de incorporação de tecnologias, onde recebe, analisa, submete a consultas públicas e delibera sobre pedidos feitos por diversos demandantes em até 180 dias[1]. Os demandantes podem ser empresas privadas, órgãos públicos como o próprio Ministério da Saúde (MS), associações de pacientes, entre outras organizações. As tecnologias protocoladas podem ser medicamentos, produtos para saúde ou procedimentos médicos e os pedidos devem atender a uma série de critérios propostos pela Comissão.
Em um levantamento feito em Março, desde 2011 459 solicitações foram feitas à CONITEC, sendo 422 solicitações de incorporação, 34 de exclusão e três de ampliação de uso. 43% dos pedidos foram atendidos, 18% negados, 31% encerrados (por falta de documentação, a pedido dos demandantes ou da própria CONITEC) e 8% estão em análise.
Em relação aos demandantes, as instituições públicas, como o MS, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e diversas secretarias estaduais foram responsáveis por 59% das solicitações à CONITEC. Já a iniciativa privada, como as grandes indústrias farmacêuticas, foi responsável por 34% dos pedidos. Outras organizações, como associações de pacientes e sociedades de profissionais de saúde, submeteram cerca de 6% dos pedidos. No entanto, a menor taxa de sucesso, considerando-se todas as solicitações, pertence à inciativa privada, onde apenas 13% dos pedidos foram acatados pelo CONITEC. Em comparação, 69% dos pedidos feitos por instituições públicas tiveram decisões positivas em relação às suas demandas. É importante salientar que 40% (60 pedidos) das solicitações da iniciativa privada foram encerradas por falta de conformidade na documentação e 37% (55 pedidos) foram negados. Percebe-se, então, uma dificuldade por parte das indústrias em atender às exigências da Comissão, possivelmente em relação aos estudos de avaliação econômica e análises de impacto orçamentário. Tal dificuldade, aliada ainda à falta de recursos financeiros para a disponibilização de novas tecnologias, diminui mais a taxa de sucesso em incorporações.
As solicitações também podem ser divididas por tipo de tecnologia, sendo, por exemplo, 64% (294) dos pedidos relacionados a medicamentos, 22% a procedimentos médicos e 14% relacionados a produtos para a saúde. Dentre os medicamentos, a classe terapêutica com o maior número de pedidos de incorporação foi a de imuno-inflamação. 24% das solicitações (61 pedidos) remetem principalmente a anticorpos monoclonais para o tratamento de artrite reumatoide e psoríase. Em segundo lugar, com 14% (37 pedidos), estão os anti-infecciosos, principalmente tratamentos para hepatites e anti-retrovirais para o tratamento de HIV. Pode-se correlacionar este perfil de pedidos de incorporação ao atual cenário brasileiro, caracterizado pelo envelhecimento da população e pelos quase 40 mil novos casos/ano de HIV no país.
Outro ponto a ser mencionado refere-se à classe de medicamentos oncológicos, com 15% do total de pedidos de incorporação. Cerca de 60% dos pedidos da área foram feitos pela iniciativa privada, que teve o maior número de processos encerrados por não conformidade de documentação (13 solicitações encerradas, sendo 12 feitas pela iniciativa privada), além, claro, das solicitações negadas pela Comissão. Como possível explicação, soma-se às dificuldades de comprovação de eficácia de medicamentos oncológicos, os tratamentos de alto custo com impactos orçamentários não favoráveis ao poder público. Os prejudicados neste cenário são os pacientes que têm ao seu alcance menos opções de tratamentos.
É possível concluir que os atores envolvidos no processo de incorporação de tecnologias no SUS necessitam de um melhor alinhamento. Por um lado, a eficiência do sistema de saúde, almejada pelo poder público, ainda esbarra em entraves orçamentários que dificultam o acesso da população à saúde. Por outro, a iniciativa privada, ao buscar novos mercados, desenvolvendo novas tecnologias, não alcança a população por formalidades e entraves políticos. Dessa forma, o estabelecimento de medidas e incentivos por parte do Governo para alguns agravos específicos, como câncer ou doenças raras, é interessante no sentido de ampliar o acesso a várias opções de tratamentos. Cabe também, por parte da indústria, uma melhor comunicação com os órgãos reguladores de forma a diminuir o encerramento de processos por inconformidades documentais. Estes ajustes, juntamente com um processo eficiente de avaliação de tecnologias, trarão benefícios diretos para a população, ajudando a garantir o seu acesso aos diferentes medicamentos, tecnologias e procedimentos disponíveis no mercado, mas não oferecidos pelo SUS.
[1] Podendo ser prorrogado em até 90 dias.